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quarta-feira, 21 de março de 2012

FELIZ (fim de) DIA MUNDIAL DA POESIA!

«Formiga Bossa Nova» de Adriana Calcanhoto (2004), a minha versão preferida do poema de Alexandre O'Neill, com música de Alain Oulman para Amália Rodrigues.


Adriana Calcanhoto, 2011
Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.
Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.
Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.
Assim devera eu ser
se não fora
não querer.
(-Obrigado, formiga!
 Mas a palha não cabe
 onde você sabe...)



                
(1924-1986)
AUTO-RETRATO, 1962



O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O' Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sobre a ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...


Nota biográfica: De ascendência irlandesa, A.O. nasceu em Lisboa, em 1924. Frequentou, depois do liceu, o Curso de Pilotagem da Escola Náutica, mas toda a sua vida foi antes do mais um autodidacta. Trabalhou em diversas áreas: na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian, em publicidade e como cronista no Diário de Lisboa. Será, todavia, enquanto poeta maior que ficará na literatura portuguesa do século XX. Fundador do surrealismo português, de A. O. pode dizer-se que viveu em permanente estado poético e é, recorrendo sistematicamente a uma sátira impiedosa, mesclada de humor e de lirismo, que nos apresenta a sociedade portuguesa do seu tempo. Recebeu, em 1982, o Prémio da Associação de Críticos Literários.

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