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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Bibliotecas Municipais: públicos e parcerias

A Biblioteca Pública enquanto lugar extraordinário é como a «Utopia» dita por Eduardo Galeano: à distância da linha do horizonte, é inalcansável, mas guia o nosso caminho e dá-nos força para continuar. As Bibliotecas Públicas portuguesas são por vezes (algumas vezes muitas vezes já), esse lugar extraordinário. É evidente que muitas não o são, e as que o são não o podem ser em permanência: se por hipótese teórica vivêssemos em constante estado de graça como o poderíamos reconhecer?

Devemos pois admitir que, muito embora as nossas Bibliotecas Públicas sejam recentes, menores de 20 anos de idade, é verdade que muitos de nós já aí vivemos alguns desses extraordinários momentos. Que, por vezes nos apanharam até completamente de surpresa: sem disso estarmos à espera, encontrámo-nos em estado de alegria e graça.


A primeira grande conquista das Bibliotecas Públicas portuguesas foi o público infantil e não é por acaso que a «Hora do Conto» é a atividade mais consistentemente praticada e generalizada em todas elas. Com as crianças vieram alguns adultos (pais, tios, avós...), mas sobretudo as escolas e, logo depois, o apoio técnico às Bibliotecas Escolares, os catálogos coletivos concelhios e a noção de património bibliográfico concelhio, o cartão de leitor concelhio. Vieram também os mais velhos a quem ensinamos as novas tecnologias e que nos ensinaram a nossa história coletiva a partir das suas histórias de vida e das suas memórias, as quais, por seu turno, nos permitem agora ampliar o fundo local de cada biblioteca: cf. Vidas e memórias de uma comunidade (Vila Velha Ródão) e Memórias de Figueiró (dos Vinhos). Como com as crianças, a Biblioteca foi também ao encontro dos mais velhos: saiu fora de portas e foi a escolas, jardins de infância, centros de dia e lares de idosos.


Assim sendo, uma das grandes dificuldades com que presentemente nos debatemos é, como afirma a bibliotecária de Arganil, Margarida Fróis, a de chamar à Biblioteca aqueles não nos vêm visitar de... autocarro! A saber: os jovens e os adultos, sem os quais Biblioteca Municipal não pode considerar-se devidamente implantada na sua comunidade. Neste sentido, várias são as opções em aberto. Do estudo e da promoção de parcerias com o Instituto de Emprego e de Formação Profissional, bem como com instituições do ensino superior para o desenvolvimento do ensino a distância e da formação ao longo da vida, até ao fomento de parecerias com o tecido empresarial autárquico com vista ao aprofundamento e à diversificação de saberes e de técnicas locais muitas vezes em vias de extinção.

Para os jovens é importante mergulharmos no respetivo universo e mais além..., propondo-lhes desafios e causas por que lutar: das tecnologias ao voluntariado, do consumo sustentável à cidadania e ao empreendedorismo: da divulgação de iniciativas nacionais e internacionais como o programa Escolhas, ou o «Do Something português» ou o «Impulso jovem», mas também do incentivo e do apoio a concursos e projetos dos mais domésticos como o Bibliofilmes (realização de vídeos) aos mais internacionais como o Iniciativas dos jovens (trabalho, estudo, voluntariado e intercâmbio na UE). Informar (e informarmo-nos) sobre o que fazer bem no mundo que nos rodeia passa pela divulgação de sítios com o IM (Ideias que me movem) - Magazine cujo lema é O melhor que se faz no mundo para um mundo melhor, ou o Actua contra a crise  ou o Green Savers ou o Sustentator.


Para tal, todos acordamos que o primeiro passo é conhecer bem a nossa comunidade e estabelecer elos com as pessoas e as organizações que nela são mais influentes. A ligação entre a Biblioteca de Vila Velha de Ródão tanto com a Fundação EDP, como com o filho do respetivo patrono, o apresentador, realizador e produtor, José Nuno Martins, disso constituem exemplo. Envolver pequenos empresários, intelectuais e especialistas diversos está na base do extraordinário projeto «Padrinhos da Leitura», concebido pela Biblioteca de Moura e adaptado pela Biblioteca de Portimão, e constituem outros excelentes exemplos a replicar! A este propósito recomendamos a leitura da revista brasileira Responsabilidade Social que reúne argumentos, propostas e exemplos deste novo tipo de obrigação social, nomeadamente no que respeita ao investimento social privado.
Cada vez mais unanimemente considerado muitíssimo importante, o papel das Bibliotecas Públicas portuguesas no desenvolvimento socio-económico das respectivas comunidades, hoje ainda incipiente, passa não apenas pelo apoio à formação que oferece ou propõe, como pelo auxílio na procura de emprego e pela cooperação e apoio às pequenas e médias empresas. Os melhores exemplos deste tipo de projetos conjuntos continuam ainda a ser estrangeiros, mas pela respetiva consistência vale bem o esforço de os estudar:

Urban Libraries Council − organização americana que, desde 1971, promove as Bibliotecas Públicas enquanto parte essencial da vida e do tecido urbanos, bem como o modo como as Bibliotecas Públicas podem contribuir para a dimensão humana do desenvolvimento económico. 

NI –Libraries: North Ireland Libraries − conjunto de serviços prestados pela Rede de Bibliotecas da Irlanda do Norte na área das empresa e negócios: iniciar ou desenvolver um negócio, formação profissional, lucros e investimentos, nichos de mercado, patentes, informação sobre direitos de autor…


Business Information Services − páginas da Lancaster Libraries sobre os serviços de apoio ao desenvolvimento de empresas locais oferecidos pelas Bibliotecas Públicas de Lancaster, Pensilvânia (EUA). 


South Ayrshire Council: comunity services − conjunto de serviços de apoio às pequenas e médias empresas oferecidos pelas bibliotecas públicas desta região da Escócia: agricultura, floresta, pescas, transformação, serviços e turismo.

 
O trabalho conjunto entre as instituições culturais públicas do concelho (o museu, o arquivo, o cineteatro...), que à partida parecia uma evidência, revelou-se um outro passo difícil de concretizar, não sendo deste modo possível acionar e potenciar todo um conjunto de recursos humanos, técnicos e financeiros em prol da história e da cultura do município.

Também a colaboração com associações, organizações e mesmo empresas de natureza cultural e recreativa municipais não parece ter sido ainda devidamente explorada e neste campo há ainda todo um trabalho por fazer. Contudo, convém lembrar que a cooperação e o estabelecimento de parcerias entre museus e bibliotecas (e arquivos) têm, no estrangeiro, vindo a revelar modelos eficientes e estimulantes para complementar e diversificar recursos, meios, ideias, projectos... De entre os exemplos mais (re)conhecidos dois são também anglófonos: 


o Institute of Museum and Library Services (IMLS) − instituto americano cuja missão visa promover bibliotecas e museus que desenvolvam a união de pessoas, informação e ideias. De âmbito nacional, o IMLS trabalha em coordenação com organizações do poder central e local para apoiar o conhecimento, a cultura e a herança cultural, a aprendizagem, a inovação e o desenvolvimento profissional; 


e o MLA: Museums, Libraries and Archives Council − organização governamental inglesa que oferece aconselhamento, apoio e recursos para incentivar a inovação na área dos museus, bibliotecas e arquivos. A missão do MLA visa desenvolver competências profissionais e promover serviços de excelência para utilizadores e leitores de todas as idades e origens sociais, sejam visitantes ou residentes no Reino Unido.


Por último, os estudiosos e especialistas e homens de negócios em cultura e indústrias culturais apontam para o investimento no triângulo: «cultura - ambiente - turismo» como uma das bases sobre a qual deveria assentar uma das principais apostas de desenvolvimento do nosso país. Neste pressuposto, poderia caber à Biblioteca Pública, lugar por excelência de difusão de informação e de cultura a todo o tipo de públicos, o papel agregador destes dois tipos de património e dos correspondentes estudo e reflexão crítica, por forma a transmutá-los e a modernizá-los ao serviço de um turismo sustentável.

Neste âmbito, sugerimos a leitura de As inter-relações turismo, meio ambiente e cultura de Eliane Pires, Bragança: Instituto Politécnico, 2004, e o estudo O sector cultural e criativo em Portugal, Lisboa: Augusto Mateus & Associados, 2010.


Sobretudo nos municípios mais pequenos e nos do interior do nosso país, a aposta nesta fórmula de desenvolvimento sustentável parece começar agora a delinear-se e a tomar forma, nomeadamenrte no âmbito das Comunidades Intermunicipais em geral, e através da cooperação entre bibliotecas em particular. Mas começámos apenas. O caminho traçado está quase todo por percorrer.


Mapa de Portugal por CIM.

2 comentários:

  1. Vera,

    Gostei muito do teu artigo!

    Só um senão... Não nos podemos restringir apenas a exemplos anglo-saxónicos, eles não têm o monopólio das boas práticas.

    Só no Chile temos três extraordinários exemplos daquilo que falas.

    Aqui vai:

    Memorias del Siglo XX
    www.memoriasdelsigloxx.cl/

    BiblioRedes
    www.biblioredes.cl/

    Contenidos Locales
    www.contenidoslocales.cl/

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    1. Obrigada, Sérgio, pelo comentário e pela sugestão. Vou ler atentamente.

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