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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Clubes de leitura nas Bibliotecas Públicas: uma aposta a incentivar!

A definição de clube de leitura original é espanhola e nela se afirma que um clube de leitura é um grupo de pessoas que lêem individualmente um mesmo livro, ao ritmo de cerca de uma centena de páginas por semana, e que se reúnem semanalmente na Biblioteca Pública para discutir as suas leituras: o estilo literário, a acção, as personagens, e sobretudo as experiências e emoções pessoais... que aquela leitura suscita a cada membro do clube. 

Esta forma de partilhar a leitura não apenas enriquece a leitura individual como motiva os leitores mais frágeis a avançarem para leituras mais difíceis. Em Espanha, as centenas de clubes de leitura filiados em Bibliotecas Públicas, são maioritariamente constituídos por mulheres, de meia idade, que há muito tinham deixado de ler e que nunca antes tinham sido, nem de perto nem de longe, grandes ou médias leitoras. Para além da leitura, os clubes avançam muitas vezes para outras leituras complementares: filmes, peças de teatro, exposições, percursos literários, encontros com autores, conferências, debates. Muitos editam blogues onde descrevem a dinâmica do seu clube. Estes leitores afirmam ter alterado positivamente o seu quotidiano e alargado, como nunca antes podiam imaginar, os seus horizontes culturais


No nosso país, os clubes de leitura constituem uma prática de promoção da leitura ainda não generalizada no âmbito das actividades das Bibliotecas de Leitura Pública e, por conseguinte, ainda incipiente quando comparada com a realidade espanhola. A partir do início de 2000, o então Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB) promoveu e cofinanciou Comunidades de Leitores, um projecto dirigido a grandes e médios leitores. A estes era proposto que se reunissem uma vez por mês, ao longo de seis meses, para ouvirem a opinião de um especialista em literatura, em geral um académico, e com ele dialogarem acerca de um conjunto de livros (dois, três, por sessão) previamente seleccionados e lidos por todos para este efeito. 


O principal objectivo das Comunidades de Leitores era que estes aprofundassem o seu nível literário, partilhando a fruição colectiva da leitura. Esperava-se que, em consequência, de entre estes leitores, alguns se assumissem como futuros coordenadores de clubes de leitura idênticos aos espanhóis. Ou seja, dirigidos a leitores com poucos hábitos de leitura, leitores de um ou menos livros por ano e que, a partir de uma nova motivação para a leitura, começassem a ler mais e melhor e, a partir daí, a descobrir o mundo da cultura.


Na realidade, de então até agora, as Comunidades de Leitores não deram propriamente origem a clubes de leitura, ou seja, não promoveram a leitura entre pessoas que decidem, já em plena maturidade, (re)começar a ler e a reflectir sobre livros e leituras. No contexto das Bibliotecas Públicas, a Comunidade de Leitores da Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, é hoje talvez a única que ainda funciona nestes moldes e tem para tal contado com o apoio da DGLAB. 


São pois ainda relativamente poucas as bibliotecas que apoiam um clube de leitura e as que o fazem integraram algumas das características das Comunidade de Leitores, nomeadamente a periodização dos encontros e o tipo de leitores. Em Espanha, esta iniciativa, que explodiu na década passada e constitui hoje parte integrante da vida de qualquer Biblioteca Pública, onde é usual que se apoiem diversos clubes de leitura (uma dezena, por vezes mais…). os clubes de leitura reúnem-se semanalmente, ao final da tarde, e são coordenados indiferentemente por um técnico da biblioteca ou um cidadão, em regime de voluntariado.


Contudo, nos últimos anos registámos o aparecimento de clubes de leitura nas Bibliotecas Portuguesas, os quais funcionam, até certo ponto, como os espanhóis, reunindo-se todavia com menor frequência mensal, por vezes quinzenalmente. Os clubes de leitura das Bibliotecas Públicas do Algarve são, no seu conjunto e enquanto região, os mais homogéneos e os mais antigos. Já em 2009 organizaram, à semelhança das Bibliotecas suas vizinhas da Andaluzia, o I Encontro de Clubes de Leitura do Algarve para o qual convidaram ainda duas bibliotecas espanholas a de Huelva e a de Dos Hermanas


As diferenças entre as duas realidades foram então evidenciadas, a começar pelo número de clubes presentes: as bibliotecas portuguesas apoiavam cada uma um clube de leitura, as espanholas vários, entre seis e doze; também o grau de autonomia dos leitores se refletiu na apresentação da atividade de cada clube: pelos clubes portugueses falaram os coordenadores, pelos espanhóis, os membros dos clubes.




O clube de leitura da Biblioteca de Portimão é um dos mais antigos clubes de leitura do nosso país, muito provavelmente o primeiro. Cumpriu 10 anos de leituras em 2012, ao longo dos quais foram lidos mais de 100 livros. Reúne-se mensalmente e todos os membros comentam o livro lido, ao sabor um pequeno lanche. É coordenado por duas bibliotecárias.

O clube de leitura da Biblioteca Municipal de Silves reúne também uma vez por mês, à hora do lanche. Mantém, desde setembro de 2012 o blogue Silves a ler + onde nos dá conta das respetivas atividades, entre as quais o 1º. Encontro dos (quatro) clubes de leitura concelhios, realizado em Abril deste ano.  



A Biblioteca Municipal da Maia apoiou um clube de leitura juvenil, entre 2007 e 2011, para efeitos de avaliação de práticas de leitura em Biblioteca e, já em 2013, anunciava a 4ª. edição da Comunidade de Leitores da Biblioteca denominada «Contemporâneos clássicos por-vir».

Em fevereiro de 2011, a Biblioteca Municipal de Viana do Castelo dinamizava um clube de leitura para crianças. 



Viana do Castelo.
Na Biblioteca de São Domingos de Rana, em Cascais, o clube de leitura denomina-se comunidade de leitores, é coordenado por Manuel Nunes, João Pequenão e Manuela Martins e continua ativo desde a sua criação, em meados de 2006. Edita, desde 2007, o blogue Com olhos de ler, o qual reúne apontamentos diversos sobre a atividade do grupo que também tem uma página no Facebook, denominada Comunidade de Leitores de... 


São Domingos de Rana, Cascais
Em março deste ano, numa visita literária a Miranda do Corvo apadrinharam o Clube de Leitura da Biblioteca Miguel Torga, esta agora a ler um livro por mês.



As Bibliotecas Municipais de Oeiras convocaram, em 2007, os seus primeiros Grupos de leitores, nas Bibliotecas de Oeiras e de Carnaxide. Em 2008, nasce o de Algés.


Oeiras.
Carnaxide.
Algés.
De então para cá, o blogue Oeiras a ler dá-nos regularmente conta da respetiva história, ilustrada com diversas fotos, de entre as quais as apresentadas a cima.

A Biblioteca de Torres Novas dinamiza, desde 2008, um clube de leitura que reúne mensalmente.


A Biblioteca Pública e o Arquivo Regional João José da Graça, da Horta, apoiaram pelo menos entre 2010 e 2011, uma comunidade de leitores, cuja atividade é parcialmente descrita no respetivo blogue, Comunidade de Leitores da Horta.


A Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira dinamiza, pelo menos desde 2009, uma comunidade de leitores denominada «Chá com letras», em quase tudo idêntica a um clube de leitura.



A comunidade em visita às Terras do Demo de Aquilino Ribeiro, Julho de 2013.
A Comunidade de Leitores Hemeroteca (da rede de Bibliotecas de Lisboa) foi criada em 2009 e considera-se também uma tertúlia.

Convite para uma sessão sobre Guerra Junqueiro.
O clube de leitura da Biblioteca Municipal de Beja edita, desde 2010, um blogue sob o lema «Partilhamos consigo o prazer da leitura». Para além de acompanhar a atividade do clube que se reúne mensalmente na Biblioteca, o blogue serve também para dar conta das iniciativas da Biblioteca.

A Biblioteca Municipal de Ílhavo promove, também desde 2010, dois clubes de leitura para pais e filhos: o Crescer a ler para crianças dos 3 aos 7 anos e o Crescemos e já lemos para crianças dos 8 aos 10 anos, de periodicidade mensal.


Ainda em março deste mesmo ano a Biblioteca Municipal de Alcochete inaugura um Clube de leitura em voz alta, o CLEVA, coordenado por Cristina Paiva dos Andante.


Registo de uma sessão.
Cristina Paiva
Reúnem-se quinzenalmente e registam a respetiva atividade num blogue primorosamente editado. De então até hoje já contagiaram outros leitores que também eles se apaixonaram por esta secular forma de ler.

Foi o caso de O Clube de Leitura da Biblioteca Municipal do Montijo que teve início em 2012 e cujas sessões são divulgadas no respetivo blogue. Em junho de 2013, o Palavras ao alto encerrou a sua primeira edição anual com uma sessão aberta ao público.


A Biblioteca Municipal de Gondomar dinamiza, desde 2011, uma comunidade de leitores que, ao longo do ano, convida diversos escritores que propõem leituras acerca das quais depois refletem e se generaliza o dialógo.


Em Vila Real de Santo António, o clube de leitura denomina-se «Livros mexidos» e inaugurou em 2011. É organizado pela Biblioteca Municipal Vicente Campinas (VRSA), pelo Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela / CMVRSA e pela ADRIP - Associação de Defesa, Reabilitação, Investigação e Promoção do Património Natural e Cultural de Cacela. Reúne-se uma vez por mês, pelas 18 horas, nas instalações da Biblioteca Municipal.


«Torne-se seguidor deste espaço de partilha!» é o lema do Clube de leitura  da Biblioteca de São João da Madeira que reúne mensalmente, pelas 21h00, desde Outubro de 2012. A Biblioteca de Melgaço está promover dois clubes de leitura, um de adolescentes, outro de adultos. 


A Biblioteca Municipal José Saramago de Loures promove, pelo menos desde este ano, uma comunidade de leitores subordinada a um tema, no caso «personagens literárias femininas» que se reúne mensalmente entre Abril e Dezembro.



A propósito da comemoração do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, a 23 de abril deste ano, a Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão, criou um clube de leitura de autores clássicos que então reuniu pela primeira vez.

Também a Biblioteca Municipal do Barreiro inaugurou, também este ano, o primeiro clube de leitura juvenil que se reúne mensalmente, aos sábados de manhã, coordenado pela jovem professora Claúdia Vieira.


Os mais recentes clubes de leitura das bibliotecas públicas portuguesas nasceram esta Primavera, respectivamente no dia 24 de maio, pelas 21 horas, na Biblioteca Municipal de Nelas e a 6 de Junho, também pelas 21 horas, na de Mangualde


Em Nelas, o clube de leitura reuniu 13 leitores que decidiram reler Aquilino Ribeiro, cada qual um livro à sua escolha, e encontrarem-se no mês seguinte. Recorde-se que nesta biblioteca, o projecto «Leitura a par», também iniciado este ano, é um misto de clube de leitura e atividade de promoção da leitura para pais e filhos.


O clube de leitura da Biblioteca de Mangualde conta com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e uma parceria com a Livraria Adrião.


Outros clubes, grupos e encontros de leitura 


Na Feira do Livro de Lisboa deste ano, 10 comunidades de leitores / clubes de leitura, da área da Grande Lisboa, apresentaram os livros que estavam a ler. A partir desta amostra podemos concluir que a designação comunidades de leitores ou clubes de leitura tendem a ser  sinónimas. Deste conjunto, apenas três têm sede em Bibliotecas Públicas (Oeiras e Lisboa), três têm origem em livrarias e outras estão ligadas ou a pessoas ou grupos ou a instituições.

As transformações que têm vindo a acontecer no mercado livreiro, conduziram as livrarias a  novos modelos de funcionamento: muito mais do que venda a retalho, procura-se agora que sejam lugares para se estar e se conversar, para debater assuntos diversos e tomar um café. A esta mudança também não será alheia a abertura da FNAC em Portugal, onde os clubes de leitura reais ou virtuais há muito têm lugar.

Neste contexto, a Livraria Almedina reúne duas vezes por mês, desde março de 2006 até ao presente, o clube Café e Letras, Comunidade de Leitores  dirigido por Filipa Melo na livraria do Atrium Saldanha, em Lisboa. Em 2008, esta editora inaugura duas outras Comunidades de Leitores Almedina: a de Coimbra que, em colaboração com o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade, reúne na livraria Estádio Cidade de Coimbra e a de Gaia, com sede na livraria do Arrábida Shopping.


Também a Livraria Bertrand promove através do blogue Clube de Leitura Bertrand, três clubes de leitura:  Ponta Delgada, Açores,Braga e Porto, e tem em agenda a constituição de outros dois, em Lisboa e em Coimbra respetivamente. Reúnem-se mensalmente numa das lojas desta cadeia livreira e todos tem pelo menos um coordenador.





A Comunidade de Leitores sobre Paisagens Literárias de Lisboa da Livraria Fabula Urbis, em Lisboa, foi criada em 2010 e reúne mensalmente. Tem uma parceria com o Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental, coordenado pelo IELT (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa)

Também o grupo Leya anuncia para este ano o Leya em Grupo - Comunidade de leitores nas livrarias Buchholz e Leya na Barata, em Lisboa, iniciativa esta que é organizada por este grupo editorial e dinamizada pelo jornalista Luís Ricardo Duarte. Sujeitas a inscrição prévia, as sessões serão quinzenais. O pagamento de 30 euros inclui participação em seis sessões, documentação e oferta de vales no valor de 15 euros para compras nas livrarias LeYa na Buchholz ou Leya na Barata.


O Café com Letras é uma iniciativa das Biblioteca Municipais de Oeiras que, de 2007 até dezembro de 2012 pretendeu promover o encontro informal entre grandes leitores (jovens e adultos) e autores contemporâneos. Contava com o apoio da Rádio TSF, com uma periodicidade mensal e era apresentada pelo jornalista Carlos Vaz Marques.


C.V.M. à conversa com Joana Amaral.
Por seu turno, a Biblioteca da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, demonstra o dinamismo desta instituição do ensino superior, ao promover, desde 2010, um Clube de Leitura da FEUP.

Clube de leitura da FEUP.
Desde outubro de 2011 que o Instituto Cervantes de Lisboa mantém o Club de Lectura de Lisboa, divulgado pelo blogue com o mesmo título e presentemente coordenado pela escritora Karla Suárez, reunindo mensalmente.

A Biblioteca Pública de Castelo Branco muito embora tenha oficialmente inaugurado, em 2012, um clube de leitura, transformou este projeto numa tertúlia subordinada a um tema previamente selecionado. É dinamizado pela vereadora de cultura, reúne mensalmente e promove a discussão livre, podendo os respetivos membros mencionar eventualmente livros sobre o tema em discussão. 


O Ler por aí..., criado em 2006 e da autoria de Margarida Branco, é um projecto de animação cultural com base na leitura que exemplifica o que muitos clubes de leitura fazem e no qual muitos outros se podem inspirar. Conta, desde 2011, com o apoio da Junta de Freguesia de Carnide, em Lisboa, e em 2012 passa a Associação Cultural. Ao relacionar o livro e os lugares onde as narrativas se passam, o Ler por aí..., também no Facebook e no blogue homónimo, organiza eventos relacionados com sugestões de leitura e recria os lugares dessas histórias.


A Culturgest, à semelhança da Biblioteca Municipal Almeida Garrett do Porto, mantém desde 2002 uma comunidade de leitores, em termos praticamente idênticos aos do modelo inicial e é presentemente coordenada por Helena Vasconcelos.


O CCB, Centro Cultural de Belém também apoiou uma Comunidade de Leitores coordenada por reconhecidas personalidades do meio literário português, como em 2008, o Ciclo Mishima dirigido por Armando Silva Carvalho. Também o Theatro Circo de Braga promoveu em 2008 e 2009 uma comunidade de leitores. para 2013/2014, numa parceria com a Companhia de Teatro de Braga (CTB), O Theatro Circo propõe a formação de uma Comunidade de leituras dramáticas, em voz alta,para maiores de 17 anos.


A Biblioteca Municipal de Palmela em parceria com o Grupo de teatro O Bando promoveu em Julho deste ano uma nova comunidade de leitores «Ler para ver teatro» a propósito da encenação de A jangada de pedra de José Saramago.


Em Ponte de Lima, foi a Associação Cultural CAL, Comunidade Artística Limiana, com sede no Antigo Quartel dos Bombeiros Voluntários, quem anunciou a abertura de um clube de leitura em maio deste ano, tencionando reunir-se mensalmente, pelas 21h30. 



Promoção do clube de leitura da CAL.
A associação CACAV, Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros, Moita, criou em em Novembro de 2012 uma comunidade de leitores que desde então tem funcionado com alguma regularidade

Como já foi mencionado, as novas redes sociais permitiram a promoção e divulgação da atividade dos clubes de leitura, mas tambem a própria criação de clubes de leitura online. Tal é o caso do sítio Clube da Leitura, criado em 2011, que a jornalista Isabel Coutinho descreveu no seu blogue Ciberescritas como o clube de leitura dos nossos dias. Neste sítio, os clubes funcionam online e na realidade. qualquer leitor pode criar um clube de leitura ou comunidade de leitores (aqui expressões sinónimas), por grupos de interesses. Sofia Ramos responsável por esta plataforma assinalava, em 2012, as vantagens da criação de clubes de leitura nas Bibliotecas Públicas, nomeadamente enquanto componente social da leitura.



Crie o seu Clube da Leitura e converse
sobre os seus livros com os seus
amigos. Uma forma fácil de se divertir
e aprender mais em conjunto e em
comunidade - See more at: http://www.clubedaleitura.pt/#sthash.qgLW3AMD.dpuf
O primeiro site social português sobre livros e criação de comunidades de leitores. Um espaço onde pode discutir os seus livros favoritos, participar em clubes de leitura na sua cidade e criar o seu grupo de leitura. - See more at: http://www.clubedaleitura.pt/#sthash.qgLW3AMD.dpuf


A informação mais completa e melhor sistematizada sobre como criar e desenvolver clubes de leitura, segundo o modelo espanhol, intitula-se Receta para un club de lectura, e é da autoria da bibliotecária Blanca Calvo. O documento da AGAL, Associaçom Galega da Língua, intitulado Guia com orientações para criar novos clubes de leitura acrescenta às orientações bibliografia diversa e indicações várias sobre clubes de leitura de diferentes tipos e em diferentes países.

Quanto aos clubes de leitura (mais do que comunidades de leitores) das nossas bibliotecas públicas parece-nos serem agora cada vez mais consideradas uma aposta a incentivar. Alguém tem mais informação sobre este assunto?


segunda-feira, 1 de abril de 2013

As Bibliotecas Públicas no século XXI: uma mudança inalienável?

Nas duas últimas décadas do século XX assistimos, um pouco por toda a Europa, à reivindicação e à construção em vasta escala de novas Bibliotecas Públicas declaradamente abertas a todos os cidadãos. Depois de muito se discutir o fim dos livros como os conhecemos e, por arrastamento, o do lugar os livros, as Bibliotecas Públicas analisadas agora, à luz do novo milénio, demonstram inequivocamente uma evidente mudança em relação à tradicional missão cultural e de ensino, de matriz anglo-saxónica, que até então se pedia a este equipamento cultural. 

Local de múltiplos eventos e encontros os mais diversos, a polivalência cultural e cívica é agora a marca indelével das bibliotecas públicas, cada vez mais versáteis e disponíveis para acolher todo o tipo de públicos e apoiar a sua comunidade.


A Biblioteca Pública deste novo século, para além de lugar de aprendizagem, tornou-se também um lugar para se estar e para se (con)viver. Distante das grandes bibliotecas centradas no empréstimo massivo, sem espaços de estudo e sem utilizadores durante as horas de trabalho, encontramos agora  edifícios abertos, desenhado com preocupações estéticas e de acolhimento dos utilizadores para as mais diversas actividades. Dois exemplos.



Biblioteca Pública de Guadalajara

Na nova Biblioteca Pública Municipal de Guadalajara, em Espanha, outrora um palácio senhorial, existe um grande pátio interior coberto, mobilado com sofás e mesas de apoio. Nas estantes das paredes em volta estão as novidades e as seleções temáticas e num dos lados uma bateria de computadores disponíveis ao público. Num dos cantos, encontra-se um piano de cauda onde de vez em quando um leitor se senta para tocar uma peça de jazz ou de música clássica que se ouve no segundo piso, que é simultaneamente galeria de exposições e também local de trabalho na Internet, bem como na área contígua do fundo local.

Pátio interior coberto.
Sala de estudo (e de jantares de convívio).
No terceiro andar, uma grande sala de estudo acolhe em silêncio total trezentos estudantes das 9h00 às 21h00 em épocas de exame. Nos dias de festa, como no jantar anual dos cerca de 20 clubes de leitura desta Biblioteca, trezentas pessoas jantam nessa mesma sala e, de seguida dançam pela noite fora ao som de um piano acústico. no jardim interior ou no referido átrio coberto quando o tempo está de chuva. 

Sala polivalente.

Na sala polivalente, ao final da tarde, debatem-se temas atuais: «Iniciativas sociais de dinamização comunitária», «Mães contra a droga», «Crise financeira: origens e evolução». E quando esta se torna pequena para o público que a elas aflui, as sessões são realizadas também no pátio interior.


Pátio interior coberto visto de outro ângulo.
Na muito mais pequena Biblioteca de São Brás de Alportel, em Portugal, instalada no edifício de uma antiga moagem recuperada e adaptada, a sala de periódicos, logo à direita de quem entra, acolhe, pela manhã, os mais velhos que não prescindem da leitura dos seus jornais.
Biblioteca Municipal de São Brás de Alportel.
Nesta sala são também acolhidos os leitores com limitações motoras, já que o elevador existente não comporta uma cadeira de rodas e, em algumas tardes, uma leitora que gosta de um pequeno órgão que ali se encontra toca peças clássicas que ecoam no átrio e no pátio interior, onde também se celebram muitas festas.
 
Festa do 1º. aniversário do Projeto Aventura.
Às quintas-feiras, entre as 18h30 e as 20h00, o coro municipal, que reúne 40 elementos de cinco nacionalidades, ensaia na sala polivalente um repertório de música clássica, madrigal e folclore de várias línguas europeias.

Foto de grupo do Coro de São Brás.
O clube de leitura também se reúne da sala polivalente.
Na sala contígua, foram os adolescentes de São Brás que «obrigaram», com as suas conversas intermináveis, os seus telemóveis, os seus fones e as suas mochilas coloridas, a transformar a ex-sala de audiovisuais, agora com o acesso generalizado à Internet praticamente sem uso, na «sua» sala de leitura e de estudo.

Em 2008, Hannu Uusi-Videnoja, à época embaixador da Finlândia no Brasil, afirmava já, a propósito da extraordinária aposta do estado nas bibliotecas públicas finlandesas que o respetivo papel estava «a mudar rapidamente nesta nova sociedade da informação. Entre os novos desafios encontra-se a necessidade de ensinar os cidadãos a pesquisar, a avaliar, a comparar, a combinar e a usar adequadamente a informação disponível.»

Segundo Uusi-Videnoja, para a Finlândia a biblioteca pública «é um centro cultural local, um portal de qualidade que disponibiliza capital cultural e intelectual ao público, que pode usá-lo conforme as suas necessidades seja na biblioteca, seja através Internet.» Este embaixador filandês afirma que uma biblioteca municipal, seja numa área residencial ou numa pequena cidade, deve organizar-se de modo a proporcionar à sua comunidade:

  • uma sala de estar e de convívio;
  • o acesso à cultura e à informação;
  • a possibilidade de recuperação de informação independente;
  • uma rede de serviços públicos e privados;
  • múltiplos eventos e serviços culturais.

Para saber mais.
Com efeito, «de acordo com a visão adoptada (em 2003) na Estratégia das Bibliotecas para 2010, a biblioteca pública na sociedade finlandesa é uma instituição activa e eficaz, e de fácil acessibilidade à consulta pública. Encontra-se aberta a todos os interessados, o que fortalece a democracia. Transmite a herança cultural, apoia a construção de uma sociedade multicultural e promove o espírito comunitário. Oferece um ambiente de aprendizagem, apoiando pessoas de todas as idades e promove as competências necessárias a tornar os meios de comunicação acessíveis a todos».

Mas este documento vai ainda mais longe ao afirmar que, «os direitos à informação e à criatividade são considerados direitos humanos básicos. O direito à informação é intrínseco ao exercício pleno da cidadania e igualmente indispensável ao desenvolvimento da criatividade, a expressão própria do ser humano.»

Jens Thorhauge, Director Geral da Danish Agency for Libraries and Media, afirmava igualmente, em 2010, que a grande mudança recente na utilização das Bibliotecas Públicas dinamarquesas era a vivência que dela fazem as pessoas que a utilizam: ler, trabalhar, aceder à Internet, frequentar cursos, presenciais ou a distância, encontrarem-se, verem exposições, participarem em eventos culturais os mais diversos, constituem exemplos desta nova mudança.

Para saber mais.
Thorhauge sublinha que cada ano é mais diversificado o público que vai à Biblioteca Pública para participar nas atividades que esta oferece, as quais são também por seu turno cada vez mais dirigidas a públicos diferentes: jardins de infância, crianças com deficiências, clubes de leituras, iniciativas cívicas de apoio a minorias, serviços para empresas... Esta nova apropriação das bibliotecas pelo seu público é reveladora das potencialidades deste equipamento cultural: um verdadeiro centro cívico que oferece atividades culturais, sociais e educacionais. A chave desta mudança reside na assunção, por parte das bibliotecas, de uma atitude proativa alicerçada nas perguntas:


«precisa de ajuda?
 conhece o fundo antigo?
quer juntar-se ao debate?»

Em 2010, um Comité instituído com o objetivo de conceber o papel das Bibliotecas na sociedade do conhecimento e na necessidade de educação ao longo da vida, enuncia os princípios por que a Biblioteca Pública dinamarquesa se deve guiar: ser aberta à comunidade e cheia de vida, disponibilizar uma biblioteca digital e desenvolver múltiplas parcerias.


Também a NAPLE (National Authorities on Public Libraries in Europe) assinala que «o espaço biblioteca pública se encontra em considerável mudança na primeira década do século XXI»... Para além de «uma forte presença em termos de património edificado e de se tornar também cada vez mais central no desenho do tecido urbano, visível na construção de novas bibliotecas e na remodelação de outras, a Biblioteca Pública é um espaço agora descentrado da coleção e intensamente focado nos utilizadores, entrecruzando e reforçando serviços físicos e virtuais».

Criada há cerca de uma década com o objetivo de promover no seu conjunto as bibliotecas públicas europeias, a NAPLE tem-se evidentemente debatido com os problemas e as assimetrias inerentes ao estado da União Europeia. Contudo, a sua mais recente iniciativa: promover uma discussão em torno destas novas Bibliotecas Públicas, através da criação de uma base de dados sobre edifícios de bibliotecas que reúna os melhores exemplos das mais recentes bibliotecas europeias, pode sedimentar uma importante discussão em torno desta nova e substantiva mudança. Ainda em construção, esta base de dados pretende incluir um grande número de países que anunciaram já a sua vontade de a integrar. Segundo a NAPLE, «esta mudança está a ter lugar em toda a Europa e apela a novos conceitos e ideias».


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Bibliotecas Municipais: públicos e parcerias

A Biblioteca Pública enquanto lugar extraordinário é como a «Utopia» dita por Eduardo Galeano: à distância da linha do horizonte, é inalcansável, mas guia o nosso caminho e dá-nos força para continuar. As Bibliotecas Públicas portuguesas são por vezes (algumas vezes muitas vezes já), esse lugar extraordinário. É evidente que muitas não o são, e as que o são não o podem ser em permanência: se por hipótese teórica vivêssemos em constante estado de graça como o poderíamos reconhecer?

Devemos pois admitir que, muito embora as nossas Bibliotecas Públicas sejam recentes, menores de 20 anos de idade, é verdade que muitos de nós já aí vivemos alguns desses extraordinários momentos. Que, por vezes nos apanharam até completamente de surpresa: sem disso estarmos à espera, encontrámo-nos em estado de alegria e graça.


A primeira grande conquista das Bibliotecas Públicas portuguesas foi o público infantil e não é por acaso que a «Hora do Conto» é a atividade mais consistentemente praticada e generalizada em todas elas. Com as crianças vieram alguns adultos (pais, tios, avós...), mas sobretudo as escolas e, logo depois, o apoio técnico às Bibliotecas Escolares, os catálogos coletivos concelhios e a noção de património bibliográfico concelhio, o cartão de leitor concelhio. Vieram também os mais velhos a quem ensinamos as novas tecnologias e que nos ensinaram a nossa história coletiva a partir das suas histórias de vida e das suas memórias, as quais, por seu turno, nos permitem agora ampliar o fundo local de cada biblioteca: cf. Vidas e memórias de uma comunidade (Vila Velha Ródão) e Memórias de Figueiró (dos Vinhos). Como com as crianças, a Biblioteca foi também ao encontro dos mais velhos: saiu fora de portas e foi a escolas, jardins de infância, centros de dia e lares de idosos.


Assim sendo, uma das grandes dificuldades com que presentemente nos debatemos é, como afirma a bibliotecária de Arganil, Margarida Fróis, a de chamar à Biblioteca aqueles não nos vêm visitar de... autocarro! A saber: os jovens e os adultos, sem os quais Biblioteca Municipal não pode considerar-se devidamente implantada na sua comunidade. Neste sentido, várias são as opções em aberto. Do estudo e da promoção de parcerias com o Instituto de Emprego e de Formação Profissional, bem como com instituições do ensino superior para o desenvolvimento do ensino a distância e da formação ao longo da vida, até ao fomento de parecerias com o tecido empresarial autárquico com vista ao aprofundamento e à diversificação de saberes e de técnicas locais muitas vezes em vias de extinção.

Para os jovens é importante mergulharmos no respetivo universo e mais além..., propondo-lhes desafios e causas por que lutar: das tecnologias ao voluntariado, do consumo sustentável à cidadania e ao empreendedorismo: da divulgação de iniciativas nacionais e internacionais como o programa Escolhas, ou o «Do Something português» ou o «Impulso jovem», mas também do incentivo e do apoio a concursos e projetos dos mais domésticos como o Bibliofilmes (realização de vídeos) aos mais internacionais como o Iniciativas dos jovens (trabalho, estudo, voluntariado e intercâmbio na UE). Informar (e informarmo-nos) sobre o que fazer bem no mundo que nos rodeia passa pela divulgação de sítios com o IM (Ideias que me movem) - Magazine cujo lema é O melhor que se faz no mundo para um mundo melhor, ou o Actua contra a crise  ou o Green Savers ou o Sustentator.


Para tal, todos acordamos que o primeiro passo é conhecer bem a nossa comunidade e estabelecer elos com as pessoas e as organizações que nela são mais influentes. A ligação entre a Biblioteca de Vila Velha de Ródão tanto com a Fundação EDP, como com o filho do respetivo patrono, o apresentador, realizador e produtor, José Nuno Martins, disso constituem exemplo. Envolver pequenos empresários, intelectuais e especialistas diversos está na base do extraordinário projeto «Padrinhos da Leitura», concebido pela Biblioteca de Moura e adaptado pela Biblioteca de Portimão, e constituem outros excelentes exemplos a replicar! A este propósito recomendamos a leitura da revista brasileira Responsabilidade Social que reúne argumentos, propostas e exemplos deste novo tipo de obrigação social, nomeadamente no que respeita ao investimento social privado.
Cada vez mais unanimemente considerado muitíssimo importante, o papel das Bibliotecas Públicas portuguesas no desenvolvimento socio-económico das respectivas comunidades, hoje ainda incipiente, passa não apenas pelo apoio à formação que oferece ou propõe, como pelo auxílio na procura de emprego e pela cooperação e apoio às pequenas e médias empresas. Os melhores exemplos deste tipo de projetos conjuntos continuam ainda a ser estrangeiros, mas pela respetiva consistência vale bem o esforço de os estudar:

Urban Libraries Council − organização americana que, desde 1971, promove as Bibliotecas Públicas enquanto parte essencial da vida e do tecido urbanos, bem como o modo como as Bibliotecas Públicas podem contribuir para a dimensão humana do desenvolvimento económico. 

NI –Libraries: North Ireland Libraries − conjunto de serviços prestados pela Rede de Bibliotecas da Irlanda do Norte na área das empresa e negócios: iniciar ou desenvolver um negócio, formação profissional, lucros e investimentos, nichos de mercado, patentes, informação sobre direitos de autor…


Business Information Services − páginas da Lancaster Libraries sobre os serviços de apoio ao desenvolvimento de empresas locais oferecidos pelas Bibliotecas Públicas de Lancaster, Pensilvânia (EUA). 


South Ayrshire Council: comunity services − conjunto de serviços de apoio às pequenas e médias empresas oferecidos pelas bibliotecas públicas desta região da Escócia: agricultura, floresta, pescas, transformação, serviços e turismo.

 
O trabalho conjunto entre as instituições culturais públicas do concelho (o museu, o arquivo, o cineteatro...), que à partida parecia uma evidência, revelou-se um outro passo difícil de concretizar, não sendo deste modo possível acionar e potenciar todo um conjunto de recursos humanos, técnicos e financeiros em prol da história e da cultura do município.

Também a colaboração com associações, organizações e mesmo empresas de natureza cultural e recreativa municipais não parece ter sido ainda devidamente explorada e neste campo há ainda todo um trabalho por fazer. Contudo, convém lembrar que a cooperação e o estabelecimento de parcerias entre museus e bibliotecas (e arquivos) têm, no estrangeiro, vindo a revelar modelos eficientes e estimulantes para complementar e diversificar recursos, meios, ideias, projectos... De entre os exemplos mais (re)conhecidos dois são também anglófonos: 


o Institute of Museum and Library Services (IMLS) − instituto americano cuja missão visa promover bibliotecas e museus que desenvolvam a união de pessoas, informação e ideias. De âmbito nacional, o IMLS trabalha em coordenação com organizações do poder central e local para apoiar o conhecimento, a cultura e a herança cultural, a aprendizagem, a inovação e o desenvolvimento profissional; 


e o MLA: Museums, Libraries and Archives Council − organização governamental inglesa que oferece aconselhamento, apoio e recursos para incentivar a inovação na área dos museus, bibliotecas e arquivos. A missão do MLA visa desenvolver competências profissionais e promover serviços de excelência para utilizadores e leitores de todas as idades e origens sociais, sejam visitantes ou residentes no Reino Unido.


Por último, os estudiosos e especialistas e homens de negócios em cultura e indústrias culturais apontam para o investimento no triângulo: «cultura - ambiente - turismo» como uma das bases sobre a qual deveria assentar uma das principais apostas de desenvolvimento do nosso país. Neste pressuposto, poderia caber à Biblioteca Pública, lugar por excelência de difusão de informação e de cultura a todo o tipo de públicos, o papel agregador destes dois tipos de património e dos correspondentes estudo e reflexão crítica, por forma a transmutá-los e a modernizá-los ao serviço de um turismo sustentável.

Neste âmbito, sugerimos a leitura de As inter-relações turismo, meio ambiente e cultura de Eliane Pires, Bragança: Instituto Politécnico, 2004, e o estudo O sector cultural e criativo em Portugal, Lisboa: Augusto Mateus & Associados, 2010.


Sobretudo nos municípios mais pequenos e nos do interior do nosso país, a aposta nesta fórmula de desenvolvimento sustentável parece começar agora a delinear-se e a tomar forma, nomeadamenrte no âmbito das Comunidades Intermunicipais em geral, e através da cooperação entre bibliotecas em particular. Mas começámos apenas. O caminho traçado está quase todo por percorrer.


Mapa de Portugal por CIM.